Completados dez anos da incursão norte-americana em Bagdá, a
Guerra do Iraque gradualmente deixa o campo das “atualidades” para passar a ser
estudada nas páginas dos livros de história. À medida que o assunto míngua do
noticiário, muitos começam a se perguntar como o tema é abordado nas escolas
dos Estados Unidos. Será que os jovens norte-americanos confrontam e discutem a
presença das tropas do seu país em outro continente?
Para achar a resposta, Jonathan Zimmerman, da publicação
Salon, foi às apostilas e livros didáticos usados nos colégios dos EUA. E teve
uma feliz surpresa. “Os livros apresentam um balanço complexo e equilibrado da
guerra no Iraque, sem as manipulações que diversas vezes mancharam a
historiografia norte-americana”, diz.
Aparentemente livres de propaganda chapa-branca das ações
dos EUA, as apostilas incluem passagens de fôlego sobre temas controversos.
Tanto os prisioneiros torturados e abusados pelas tropas dos EUA fora do país,
quanto a volta da vigilância interna são lembrados nas páginas dos livros.
O buraco, no entanto, é mais embaixo: uma combinação de
política educacional com decisões judiciais restritivas parece fazer com que os
jovens pouco ou nada saibam sobre o que foi empreendido no Iraque.
Política educacional e tribunais
Zimmerman lembra ainda que nunca houve uma “era de ouro”
para as escolas dos EUA — em que professores e alunos protagonizassem debates e
discussões profundas sobre os assuntos do cotidiano. Durante as duas grandes
guerras, por exemplo, houve demissões dos professores que ousaram fazer um
contraponto. No Vietnã, o contrário: docentes tentavam frear manifestações
vindas dos próprios alunos.
Atualmente, o problema é outro e o pensamento crítico, ainda
mais rarefeito. Estudiosos reclamam que não há mais tempo para tentar levantar
questões desse tipo. Desde os anos 1980, o sistema educacional nos EUA passa
por um processo forte de padronização do ensino, que impõe exames periódicos
para avaliar os alunos e, por extensão, as escolas. A pressão por bons
resultados nos testes acaba por ditar o ritmo (intenso) e o conteúdo (canônico)
nas salas de aula — sem que haja brechas para digressões.
Pior que isso, está se consolidando uma jurisprudência nas
cortes norte-americanas que impõe limites às liberdades de discurso dos professores
dentro das suas próprias salas de aula. Basta ver o caso de Deborah Mayer,
professora de uma escola primária no estado de Nova York. Em 2003, durante uma
das suas atividades surgiu na sala de aula uma discussão a respeito de uma
manifestação antiguerra. Uma de suas alunas perguntou a Mayer se ela iria a um
protesto desse tipo. Ela disse que sim e que as pessoas deveriam procurar
maneiras pacíficas de resolver os conflitos. A declaração foi repudiada pelos
pais e, após a polêmica, a escola não quis renovar o contrato de trabalho com
Mayer.
Ela acionou a Justiça e, após diversas cortes locais
validarem a decisão da diretoria do colégio, o caso chegou até a Suprema Corte
dos EUA em 2006. Julgando a questão, os magistrados do mais alto tribunal do
país decidiram que funcionários públicos não têm liberdade irrestrita para
manifestar seu pensamento no local de trabalho. Suas palavras pertencem ao
empregador.
Em suma, o professor atua como um “ventríloquo cívico”, pago
para repetir frases que são colocadas na sua boca. Não importa que o professor
tenha uma opinião própria, se a matriz curricular do colégio compactua com o
discurso “Support our Troops”, então é o que será feito.
O resultado é o que Zimmerman chama de “silêncio
ensurdecedor” a respeito da Guerra do Iraque nas escolas dos EUA. O assunto não
é discutido e os jovens não percebem a sua ausência. A escola da filha de
Zimmerman, por exemplo, adota um dos livros didáticos completos e balanceados
sobre o conflito. No entanto, a versão utilizada em sala de aula é a edição de
2002, impressa antes das terras iraquianas serem invadidas.
Fonte: Revista Samuel via UOL
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