Obras atrasadas, orçamentos estourados e escassez de
investimentos privados marcaram a empreitada brasileira para construir os
palcos da Copa do Mundo de 2014. Para alívio dos organizadores, porém, os
estádios deverão estar prontos, ainda que em cima da hora (e, em alguns casos,
ainda perigosamente incompletos no ensaio geral para o Mundial, a Copa das
Confederações). Superado esse desafio, o país terá de encarar outra grande
encrenca, talvez até maior: a administração e conservação das modernas arenas
erguidas para o torneio. Os especialistas alertam que os custos de construção
são apenas uma fatia do valor consumido por um novo estádio durante suas
primeiras décadas de existência. Ou seja, a longo prazo, gerenciar e preservar
uma construção desse tipo custa até mais caro que erguê-la. Resultado: o Brasil
ainda gastará muito dinheiro com os estádios, mesmo depois de 2014. Para
complicar, pelo menos cinco cidades-sede terão arenas que dificilmente serão
utilizadas com a frequência necessária para pagar as contas. O contribuinte
brasileiro precisa estar preparado desde já. Afinal, nove dos doze estádios da
Copa são empreendimentos públicos, o que abre uma perspectiva preocupante. É
bastante provável que muitos estados carreguem o peso dos gastos com a Copa por
anos a fio, sem que o retorno pela realização das partidas do torneio seja
suficiente para fechar a conta. Longe disso, aliás: o fluxo de visitantes
atraídos por três ou quatro jogos num período de um mês certamente será
insuficiente para recompensar os cofres públicos pela gastança.
Não era isso que se prometia, evidentemente, quando o Brasil
foi escolhido para sediar o Mundial, em 2007. O então presidente da CBF,
Ricardo Teixeira, anunciava ao povo brasileiro a "Copa do Mundo da
iniciativa privada", garantindo que atrairia investidores interessados em
erguer as arenas sem qualquer envolvimento das três esferas de governo. A
afirmação já despertava profunda desconfiança, é claro. Mas poucos esperavam
que a realidade seria tão distante da promessa. Apenas os estádios do
Internacional (Beira-Rio), do Atlético-PR (Arena da Baixada) e do Corinthians
(Itaquerão) não foram bancados pelos cofres públicos - e, mesmo nesses casos, o
papel do governo foi decisivo, através da concessão de incentivos e
empréstimos. A escassez de interessados em construir ou reformar as arenas
brasileiras já era uma pista do problema que será enfrentado pelo país a partir
de 2014. Fossem negócios imperdíveis, com generosas margens de lucro e fluxo
constante de receita, os novos estádios certamente despertariam a cobiça do
setor privado. Não foi o caso - e não é difícil notar o motivo. Entre as nove
cidades-sede com arenas bancadas pelo dinheiro público, quatro não cumprem o
requisito básico para abrigar um estádio de futebol caro e moderno: Brasília,
Cuiabá, Natal e Manaus simplesmente não têm clubes e campeonatos capazes de
encher as arquibancadas e garantir a utilização constante da construção. Outras
duas cidades, Fortaleza e Recife, têm times com grandes torcidas e costumam
sediar jogos importantes, mas ainda assim não têm como garantir que suas novas
arenas serão bem aproveitadas, por causa de deficiências nos projetos e
incertezas em relação ao uso das instalações pelos clubes locais. O caso de
Recife é mais delicado, já que a Arena Pernambuco fica fora da capital, no
município de São Lourenço da Mata, e a utilização do estádio dependerá das
facilidades oferecidas ao torcedor para que ele frequente o local (e, até
agora, elas não são muitas, já que as obras viárias estão incompletas).
As outras duas sedes com estádios públicos, Rio de Janeiro,
Belo Horizonte e Salvador, não deverão ter problemas para manter as arenas
ocupadas. Isso não significa, porém, que seu aproveitamento tenha sido bem
planejado. O Maracanã abriu a concorrência para a administração privada do
estádio apenas na semana passada, com um prazo apertado demais - e que
provavelmente culminará num negócio muito mais vantajoso para a empresa
vencedora do que para o poder público. Os termos da concessão são extremamente
atraentes para quem assumir a administração do estádio (tanto que o número de
interessados só cresce desde que o governo lançou o edital). No caso do
Mineirão, apenas um dos grandes clubes da capital, o Cruzeiro, deve adotar o
estádio como sua casa. O Atlético-MG reclamou dos valores e dos termos
propostos para que o time mandasse seus jogos no grande palco da cidade. Avisou
que prefere seguir jogando no Independência (que foi reformado com verba do
governo estadual e hoje é administrado pela empresa paulista BWA). Em contraste
com todas as confusões que cercam os estádios públicos, nas três cidades-sedes
com projetos privados para a Copa não há qualquer dúvida sobre o futuro desses
empreendimentos. Inter, Corinthians e Atlético-PR terão estádios quase sempre
cheios - e, a não ser que seus dirigentes façam grandes barbeiragens na
administração, eles serão muito rentáveis. Tanto os estádios públicos como os
privados devem seguir um cálculo inescapável nas próximas décadas. A longo
prazo, o preço de uma grande obra não se resume ao valor aplicado na
construção: ele deve incluir também os gastos necessários para mantê-la em
ordem.
De acordo com o Sindicato da Arquitetura e da Engenharia
(Sinaenco), a obra em si geralmente corresponde a entre 17% e 20% do total
gasto nos primeiros cinquenta anos de uma edificação. Isso serve para qualquer
construção. No caso dos estádios, porém, essas despesas adicionais são ainda
mais inevitáveis, pela própria característica dessas edificações - e pelo fato
de que não se pode arriscar a segurança de dezenas de milhares de pessoas com
um trabalho ineficaz ou negligente de preservação. Tomando-se como base as
últimas estimativas de preço dos estádios públicos da Copa, as obras de
construção e reforma dessas arenas somarão pelo menos 5,7 bilhões de reais
(quando se incluem os privados, chega-se a quase 7 bilhões). Nas próximas cinco
décadas, porém, esses projetos deverão consumir um montante bem maior, com um
custo de manutenção e preservação de mais de 27 bilhões de reais - e um custo
total de até 33 bilhões de reais. Se os estádios são tão caros e algumas das
cidades parecem não ter meios de mantê-los sem desperdiçar dinheiro, o que
levou, afinal, o Brasil a indicá-las como sedes? Como é de costume no país,
culpa da política, que sobrepujou o bom senso e colocou o gasto perdulário de
dinheiro público em segundo plano. Nas últimas Copas, alguns países-sede -
Estados Unidos (1994), França (1998) e África do Sul (2010) - precisaram de
apenas nove cidades para realizar um bom torneio, sem apertos nem grandes
problemas logísticos. O caso dos americanos, aliás, ilustra bem a comparação
com o exagero brasileiro: mesmo num país de dimensões continentais e onde há
dezenas de estádios de grande porte já prontos - nenhuma outra nação tem tantas
arenas esportivas de alto nível -, nove sedes foram o bastante para o Mundial.
Para preservar os bolsos do cidadão brasileiro, melhor seria se a Copa de 2014
seguisse essa mesma receita. Agora, no entanto, já é tarde demais - e a conta
dos elefantes brancos será repassada aos nossos filhos e netos.
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